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Foto do escritorJosé Eduardo Berto Galdiano

Mudanças na Lei de Improbidade Administrativa – caminho para a impunidade?

Publicado em 28 de junho de 2021


Em 16/06/2021, a Câmara dos Deputados aprovou por ampla maioria o Projeto de Lei 10.887/2018, que altera a altera a Lei n° 8.429/1992, que dispõe sobre improbidade administrativa. O texto foi enviado ao Senado Federal para apreciação.


O assunto é de grande importância para os operadores de direito que atuam em ações de improbidade administrativa, bem como para os agentes públicos e procuradores encarregados de assessorá-los na prática dos atos de gestão.


O Projeto aprovado pela Câmara traz muitas novidades sobre antigos problemas enfrentados na aplicação da Lei de Improbidade e já está causando muita controvérsia. A principal alteração diz respeito à expressa exigência de demonstração de dolo do agente para a caracterização dos três tipos de improbidade já previstos na Lei: enriquecimento ilícito (artigo 9.º), lesão ao erário (artigo 10) e violação aos princípios da administração pública (artigo 11).


Atualmente, a Lei não especifica a exigência de dolo ou culpa para os tipo previstos nos artigos 9.º e 11, mencionado a necessidade de “ação ou omissão, dolosa ou culposa” unicamente para a hipótese do artigo 10. Na jurisprudência, há entendimento de que, nos casos de lesão ao erário, é possível existir improbidade mesmo sem a intenção de praticar o ato lesivo, desde que reste demonstrada a “culpa grave”, não sendo necessária a comprovação de dolo.


Quantos aos demais tipos, em razão da ausência de previsão específica no texto atual, o entendimento que atualmente prevalece é o da necessidade de comprovação do dolo, existindo controvérsia, entretanto, quanto à espécie de dolo necessário para a configuração da improbidade: enquanto alguns entendem ser suficiente “dolo genérico” (prática voluntária do núcleo do tipo legal), outros entendem ser necessário provar o “dolo específico” (finalidade específica de agir), com demonstração de má-fé do agente que pratica o ato.


O Projeto busca resolver essa questão, alinhando-se mais à segunda corrente, do dolo específico, ao considerar “dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”.


Algumas outras novidades trazidas pelo Projeto são:


  • ausência de previsão sobre o tempo mínimo de suspensão dos direitos políticos e perda da função pública (cabendo ao juiz fixar a sanção de acordo com a gravidade, observado o teto legal);

  • redução do valor máximo da multa em comparação ao montante atualmente devido;

  • restrição da perda da função pública ao vínculo que o agente condenado tinha ao tempo do cometimento da infração, salvo o caso de extensão judicial a outros vínculos, de acordo com gravidade da infração;

  • necessidade de considerar os efeitos econômicos e sociais da sanção em relação à manutenção das atividades da pessoa jurídica, em casos envolvendo a sua responsabilização;

  • limitação territorial dos efeitos da decisão em relação à proibição de contratação com o Poder Público;

  • sujeição da eficácia de todas as sanções ao trânsito em julgado da sentença condenatória (atualmente, apenas a suspensão dos direitos políticos e perda da função pública estão expressamente sujeitas ao trânsito em julgado);

  • restrição da legitimidade para ajuizar a ação de improbidade ao Ministério Público, com exclusão da legitimidade, atualmente existente, da pessoa jurídica interessada;

  • previsão de citação inicial dos demandados para apresentação direta de contestação (atualmente, há previsão de fase preliminar de notificação para apresentação de defesa prévia);

  • previsão de que a defesa judicial do agente processado por improbidade será realizada pela assessoria jurídica que emitiu parecer favorável à legalidade do ato;

  • aperfeiçoamento das previsões sobre a possibilidade de realização de acordo pelo Ministério Público;

  • alteração do prazo de prescrição (de 5 para 8 anos) e da forma de sua contagem, inclusive com previsão expressa de prescrição intercorrente;

  • restrição do tempo de tramitação do inquérito civil para 180 dias, prorrogáveis por uma única vez, com previsão de prazo de 30 dias após o seu término ou esgotamento do prazo para eventual ajuizamento da ação.

Como se vê, o Projeto toca em muitas questões polêmicas, que geram relevante debate jurídico e político. Não há dúvida de que as discussões precisam ser aprofundadas, inclusive com possíveis ajustes por ocasião da apreciação da matéria pelo Senado Federal, evitando que o pretenso aperfeiçoamento da Lei dê lugar a eventual retrocesso, favorecendo impunidade para atos graves de improbidade administrativa.


Por outro lado, é inegável que muitas das almejadas mudanças parecem decorrer de certo abuso, observado nos últimos anos, no ajuizamento das ações de improbidade.


Não parece razoável nem saudável à segurança jurídica (verdadeiro pilar do Estado Democrático de Direito) que, por exemplo, um inquérito civil perdure por vários anos sem definição, independentemente de qualquer justificativa razoável; que ações de improbidade sejam ajuizadas de forma irresponsável, muitas vezes com base em interpretações unilaterais carregadas por erros grosseiros, que podem demorar anos para ser reconhecidos; que o cumprimento de uma lei municipal posteriormente declarada inconstitucional seja suficiente para gerar o ajuizamento de ação de improbidade e a cassação dos direitos políticos do prefeito que simplesmente a cumpriu, sem qualquer demonstração de má-fé, enriquecimento ilícito ou intenção de causar prejuízo ao erário.


São apenas alguns exemplos que, ao menos em tese, justificam legitimamente ao menos parte das mudanças aprovadas pela Câmara. Já se disse, e com razão, que na proteção à probidade na Administração Pública, espécie do gênero moralidade administrativa, a Lei de Improbidade há de ser interpretada de forma harmônica, em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade; que nem todo ato ilegal é por si só ímprobo; e que o objetivo da norma é punir o administrador desonesto, não o inábil.


A pesquisa sobre o número de ações de improbidade tramitando em nossos tribunais prova que há, no mínimo, grande diferença sobre a forma como o Ministério Público e os agentes políticos interpretam o conceito de improbidade administrativa. Os últimos gostariam que o parquet compreendesse melhor as agruras de se administrar a coisa pública com poucos recursos, ineficiência pessoal, administrativa e financeira. Já o Ministério Público, no relevante exercício de suas funções, quer impedir a prática de ações danosas ao erário, que comportem violação aos princípios administrativos ou proporcionem enriquecimento indevido dos agentes. A pretendida mudança na Lei veio para colocar o dedo na ferida.

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